Maura Roberti
Procuradora em São Paulo
Introdução
A rápida abordagem sobre este tema, tem por objetivo
fazer indagações sobre o “direito à vida” e o “direito à morte”, sobre a
“quantidade” de vida contraposta à “qualidade” desta.
Oportuno salientar que, não serão dadas as respostas aos
questionamentos levantados, pois estes apenas servirão para fazer com que todos
possamos refletir sobre este polêmico assunto.
Conceitos
Antes de serem feitas as ponderações a respeito do tema
proposto, imprescindível se faz a conceituação da palavra “eutanásia”, bem como
diferenciá-la de outras que, aparentemente, lhe são semelhantes.
Eutanásia vem do grego,
significando "boa morte" ou "morte apropriada". O termo é
de Francis Bacon que, em 1623, em sua obra "Historia vitae et
mortis", a definiu como sendo o "tratamento adequado as doenças
incuráveis".
Ao longo da história o termo
“eutanásia” foi modificando de significação, sendo certo que hoje, eutanásia
vem a ser a prática pela qual se procura abreviar, sem sofrimento ou dor, a
vida de pessoas que sofrem de doenças incuráveis.
Diversas são as expressões
utilizadas como sinônimas de “eutanásia”, podendo ser citadas “boa morte”,
“suicídio assistido”, “eutanásia ativa”.
O
antônimo de eutanásia é “distanásia” que, por sua vez, vem a ser a utilização
dos meios adequados para tratar uma pessoa que está morrendo.
Também de origem grega, onde o
prefixo “dis” tem o significado de "afastamento", e para alguns a
distanásia significa prolongamento exagerado da morte de um paciente ou, até
mesmo, pode ser empregado como sinônimo de tratamento inútil.
Escrevendo sobre o assunto, Léo
Pessini, vice-diretor Geral das Faculdades Integradas São Camilo, afirma que a
distanásia “é uma atitude médica que, visando salvar a vida do paciente
terminal, submete-o a grande sofrimento. Nesta conduta não se prolonga a vida
propriamente dita, mas o processo de morrer”.
Importante,
ainda, conceituarmos o termo “ortotanásia”, que significa "morte no seu
tempo certo"; como o prefixo grego “orto” significa "correto",
ortotanásia tem o sentido de morte "no seu tempo", sem abreviação nem
prolongamentos desproporcionados do processo de morrer; ressalte-se, por oportuno,
que também é conhecida como eutanásia passiva.
A medicina e a eutanásia
Diversos são os objetivos da
medicina; porém, dentro do tema ora estudado, poderíamos dizer que de há muito
este ramo científico busca a cura da doença, bem como o alívio do sofrimento do
paciente que se encontra em estado terminal.
Porém, aliviar a dor e o sofrimento
causados pela doença, precipuamente em se tratando de alguém que sabemos irá
morrer, não é tarefa fácil; ao contrário, é espinhosa e árdua.
Por mais avançada que esteja a
tecnologia, a dor em todas as suas formas é algo que a medicina ainda não
conseguiu extinguir do processo dos que estão morrendo.
Parece estranho falarmos em
processo da morte e pacientes em estado terminal; mas não só os médicos,
através de diagnósticos científicos, sabem quando o paciente não mais tem
chances de viver, como também o ser humano sabe quando vai morrer em razão de
convicções internas.
Diante desta afirmativa feita,
certo é que à pessoa que está morrendo deverá ser dada toda a garantia possível
de que receberá tratamento adequado, livrando-a, na medida do possível, da dor,
bem como dando a ela a possibilidade de valer-se da tecnologia existente para
prolongar-lhe a vida.
A ética médica e a eutanásia
Baseada em valores humanitários, a
ética médica visa a prolongação da vida, em seu máximo possível.
A tradição médica é no sentido de
resistir à eutanásia, por entender que a morte representa derrota frente à luta
que até então foi travada.
Importante
deixar consignado que a Associação Mundial de Medicina, desde 1987, na
Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendo um procedimento
eticamente inadequado.
Além do mais, o que pode ser
observado no Código de Ética Médica de 1988, ao abordar os direitos do paciente
terminal, é um profundo respeito, e até mesmo uma salutar reverência pela vida
humana.
Se, por um lado, esta valorização
da vida é digna de elogios e até mesmo da certeza de que todos estaremos a
salvo nas mãos destes conscenciosos profissionais, por outro, será que esta
excessiva preocupação com a máxima prolongação da quantidade de vida biológica
deve afastar a preocupação com a questão da qualidade da vida?
Países que admitem a prática da eutanásia
No mundo, apenas três países permitem a prática da
eutanásia, sem considerá-la crime, a saber, Estados Unidos da América, Holanda
e Colômbia.
Nos Estados Unidos, Oregon é o único Estado que permite
a eutanásia. Em 1994 foi elaborado um plebiscito, no qual a prática da
eutanásia foi aprovada, sendo certo que somente em 1996 é que houve sua
regulamentação.
A lei de Oregon que permite a eutanásia autoriza o
médico a receitar uma dose letal de drogas, a pedido do paciente, cuja
expectativa de vida seja inferior a seis meses; porém, em hipótese nenhuma, o
médico poderá ministrar a droga ao paciente.
Oportuno registrar que, conforme
publicado no jornal “Correio do Povo” circulado no dia 27 de setembro de 1996,
p.12, nos Territórios do Norte da Austrália esteve em vigor, de 1º de julho de
1996 a 24 de março de 1997, a primeira lei que autorizou a eutanásia ativa, que
recebeu a denominação de “Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais”.
A lei foi derrubada por uma pequena
diferença de votos (38 a 34), apesar das pesquisas de opinião referirem que 74%
dos australianos serem contra esta revogação.
Esta lei estabelecia inúmeros
critérios e precauções até permitir a realização do procedimento. Estas
medidas, na prática, inibiam as solicitações intempestivas ou sem base em
evidências clinicamente comprováveis. Isto foi possível de ser comprovado no
primeiro paciente a obter autorização, Robert Dent, que morreu em 22/09/96.
A Constituição Federal e a
eutanásia
Em linhas gerais podemos afirmar que a todos é assegurado
o direito à vida, o que de fato é consagrado em nosso ordenamento jurídico,
pois ele é o fundamental alicerce de qualquer prerrogativa jurídica da pessoa,
razão pela qual o Estado protege a vida humana, desde a concepção até a morte.
Previsto na Constituição Federal, artigo 5º, “caput”, a
principal característica do direito à vida vem a ser sua indisponibilidade.
A vida, dom divino que é, há que ser preservada em toda
e qualquer circunstância, sendo inconcebível sua eliminação quer pelo homem,
quer pelo Estado.
Apesar desta afirmativa, em algumas circunstâncias, o
próprio Estado permite que o cidadão, legitimamente, pratique condutas que
venham a retirar a vida de outrem, como por exemplo, Estado de Necessidade,
Legítima Defesa, Aborto Legal.
Assim, o direito à vida não pode ser visto isoladamente
dentro de nosso ordenamento jurídico, que possui diversos princípios
norteadores, como o da dignidade da pessoa humana, a proibição de tratamentos
desumanos ou degradantes, dentre outros.
Assim, poderia a agonia física e moral, aliada à certeza
da morte diante da impossibilidade da cura da doença a que esteja uma pessoa
acometida, como por exemplo a AIDS, o câncer, ser mais uma hipótese de
permissibilidade de retirada da vida, com o único objetivo de abreviar os
padecimentos por ela sofrido?
Na verdade, a questão que se coloca em discussão quando
o assunto eutanásia é abordado, vem a ser justamente a disponibilidade da vida
humana.
Assim, ainda que sejam assegurados
à pessoa acometida de incurável doença ou de sofrimentos atrozes, todos os
direitos e garantias de um resto de vida, será que esta pessoa teria o “direito
de morrer” por sua solicitação?
A Eutanásia e a legislação penal brasileira
Em uma pequena retrospectiva histórica, chegamos na
certeza de que nosso ordenamento jurídico nunca regulamentou a prática da
eutanásia.
Na verdade, a legislação no Brasil sempre preocupou-se
com o suicídio, não com a conduta do suicida, mas sim daquele que de uma forma
ou de outra leva terceira pessoa a suprimir a própria vida.
O suicídio é um fenômeno social,
que vem desafiar os que se dedicam ao seu estudo. Toda a legislação do mundo,
com maior ou menor enfoque, aborda a hipótese da instigação, do induzimento e
do auxílio ao suicídio.
O Código Criminal do Império do
Brasil (1830), ao disciplinar os crimes contra a segurança da pessoa e vida,
punia o auxílio ao suicídio, com pena de prisão por dois a seis anos, ao
estabelecer em seu artigo 196 “Ajudar alguém a suicidar-se, ou fornecer-lhe
meios para esse fim com conhecimento de causa”. Importante observar que, já
àquela época, a legislação não previa a incriminação do suicídio ou da
tentativa deste.
Nosso Código Penal de 1890, por sua
vez, no artigo 299 determinava a cominação de pena de prisão celular por dois a
seis anos, para a pessoa induzisse ou ajudasse moral ou materialmente alguém a
suicidar-se. A exemplo do que é hoje, estas condutas não eram consideradas como
crime sem a efetiva morte do induzido ou instigado.
O Código Penal em vigor, que é de
1940, manteve basicamente as disposições da lei anterior, sendo que em seu
artigo 122 estabelece a seguinte disposição:
Induzimento, instigação ou auxílio
au suicídio
Art. 122. Induzir
ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena –
reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão,
de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal
de natureza grave.
As penas acima mencionadas serão duplicadas
se o crime for praticado por motivo egoístico, ou na hipótese da vítima ser
menor ou ter, por qualquer causa, a sua capacidade de resistência diminuída.
Por ser esta a legislação em vigor,
importante fazermos algumas considerações a respeito de cada uma das condutas
deste tipo penal, vale dizer, o induzimento, a instigação, deixando-se para
destacar o auxílio ao suicídio em um tópico à parte, por estar diretamente
relacionado com a eutanásia.
Nelson Hungria nos ensinava que o induzimento,
pressupõe a iniciativa na formação da vontade de outrem, enquanto a instigação
pode ter um caráter secundário ou acessório, representando um estímulo à idéia
preexistente do suicídio. Auxiliar, por sua vez, é prestar assistência
material, é facilitar a execução de um ato.
Pois bem, continuando no pequeno
enfoque histórico ora abordado, em 1969, houve uma tentativa de reforma do
Código Penal, sendo certo que a legislação que então foi aprovada pelo
Congresso, não chegou a entrar em vigor.
O Código Penal de 1969 pretendia
introduzir a figura de um delito que nossa legislação nunca havia abordado: a
provocação indireta ao suicídio, que se configuraria na hipótese de o agente
“desumana e reiteradamente inflige maus tratos a alguém, sob sua autoridade ou
dependência, levando-o, em razão disso, à prática do suicídio” (art.122,
parágrafo 3º).
Desta forma, o que se observa
dentro deste contexto é a obstinada punibilidade da participação no suicídio
alheio.
O auxílio ao suicídio como conduta
típica e a eutanásia
Há crime de auxílio ao suicídio
quando o agente presta à pessoa que quer eliminar a própria vida, ajuda
material para que se mate, seja com o fornecimento dos meios, seja facilitando
de outro modo a execução.
Nesta conduta, o agente tem uma
atividade secundária ou acessória, posto que não participa da execução ou
consumação da morte.
Pois bem, hoje, pelo ordenamento
penal em vigor, a vida é, conforme já afirmado, um direito inalienável,
significando que o consentimento da pessoa, permitindo à alguém que disponha da
sua vida, não é válido.
Por outro lado, porém, o fato de o
suicídio em si, mais precisamente a tentativa do suicídio, não ser considerado
crime, poderia ser feita a afirmativa de que o suicídio é um indiferente para o
direito?
Pressupondo-se que sim, até porque
a tipificação do suicídio seria inócua por ser a pena inútil quando este ato é
consumado, desnecessária na hipótese de tentativa deste ato posto que a pessoa
necessitaria de um tratamento psicológico e não de uma reprimenda penal.
É bem verdade que o suicídio ofende
os ideais religiosos e, por que não dizer os morais. Mas, juridicamente, o
suicídio ou sua tentativa, são condutas lícitas, posto não serem proibidas.
Diante destas premissas, seria
correto afirmarmos que, “contrario sensu”, a vida é um bem disponível se
suprimida espontânea e voluntariamente, por pessoa com capacidade de entender e
discernir?
Em sendo positiva a resposta,
porquê então tipificarmos a conduta daquele que auxilia alguém que, não tendo
mais condições físicas, em razão de sofrimento inestimável ou por estar
desenganada, pretende de forma livre, consciente, voluntária e espontânea,
suprimir a própria vida?
A Eutanásia na reforma do Código
Penal Brasileiro
A atual legislação penal não faz qualquer tipo de menção
a respeito da eutanásia.
Em 1984, o Anteprojeto de Reforma
da Parte Especial, disciplinou a eutanásia, ao isentar de pena “o médico que,
com o consentimento da vítima, ou, na sua impossibilidade, de ascendente,
descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte
iminente e inevitável, atestada por outro médico” (art. 121, parágrafo 3º);
porém, houve a reforma da Parte Geral da atual legislação penal, sem que a
reforma da Parte Especial chegasse a ser realizada.
Hoje, em tramitação perante o Congresso Nacional, o
Projeto de reforma do Código Penal, disciplina a eutanásia, da seguinte forma:
DOS CRIMES CONTRA A VIDA
HOMICÍDIO
Art. 121 ......
EUTANÁSIA
Parágrafo 3º. Se o
autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para
abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena –
reclusão, de três a seis anos
Verifica-se, desta forma, que se aprovada a reforma
proposta, a eutanásia passará a configurar uma causa de diminuição da pena do
homicídio.
Importante salientar que, à ortotanásia, o projeto de
reforma do Código Penal atribuiu uma causa de exclusão da antijuridicidade, ao
determinar que “não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio
artificial, desde que a morte iminente e inevitável seja atestada por dois
médicos e haja consentimento do paciente ou de familiares” (art. 121, parágrafo
4º).
Prós e contra a eutanásia
Muito
embora a história da eutanásia se confunda com a própria existência da
humanidade, nunca se encontrou uma fórmula interpretativa conciliatória sobre o
tema junto à comunidade jurídica, filosófica ou mesmo médica.
Os que são a favor da prática da eutanásia, sem levarmos
em consideração os segmentos da comunidade acima mencionados, afirmam que a
vida só vale a pena com dignidade.
Esta corrente, segundo Rogério
Marinho Leite Chaves, respeitável advogado em Brasília, afirma que, na
medicina, existem quadros clínicos irreversíveis onde o paciente, muitas vezes
passando por terríveis dores e sofrimentos, almeja a antecipação da morte como
forma de se livrar do padecimento que se torna o viver. A antecipação da morte
não só atenderia aos interesses do paciente de morrer com dignidade, como daria
efetividade ao princípio da autodeterminação da pessoa em decidir sobre sua
própria morte.
A corrente contrária, temerosa com os abusos e com
finalidades escusas, afirmam que a eutanásia poderia dar ensejo a
comercialização da saúde, onde de forma propositada negar-se-iam procedimentos
que dariam ao portador de moléstia grave e incurável, um resto de vida digna.
Argumenta também com o dever do
Estado a que acima já nos referimos, onde este tem que preservar a todo custo a
vida humana; invocam, igualmente, a ética médica, que, segundo o juramento
hipocrático, deve o médico assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer
meio necessário à sua subsistência.
Conclusão
Na expectativa de ter cumprido com o objetivo proposto inicialmente,
certo é que a eutanásia, questão polêmica e complexa, está longe de encontrar
um consenso.
Certamente
em todo o mundo e por muitos e muitos anos este assunto será objeto de
discussão, para que os limites da eutanásia possam ser delineados e definidos,
a fim de ser ou não admitida como prática de suavização do sofrimento.
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