MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS: A IMPORTÂNCIA DA REPRESSÃO JURÍDICA
Fernando Capez. Jurista.
Tramita perante a
Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 4.548/98, que propõe a
modificação da redação do art. 32 da Lei dos Crimes Ambientais, o qual
considera criminosas as ações de ferir, mutilar, praticar abuso e
maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos.
Pretende-se, com essa
propositura, suprimir parte do texto do aludido dispositivo legal, de
molde a excluir da proteção penal os animais domésticos ou domesticados.
Ao se levar adiante tal
Proposta Legislativa, será reputada ilícita apenas a prática de
crueldade contra animais silvestres, nativos ou exóticos. Com isso
teremos a abominável situação: torturar uma espécie da fauna, como um
macaco, será considerado um ato criminoso reprovável, ao passo que jogar
ácido ou torturar um cão ou gato será um irrelevante penal.
Por que proporcionar
tratamento díspar a situações assemelhadas? A reprovabilidade da conduta
do autor não é a mesma em ambas as formas de crueldade praticadas, isto
é, não estaríamos diante do mesmo desvalor da ação, o que conduziria a
idêntica punição?
Segundo a justificativa do
Projeto, a criminalização desses atos colocaria em riscos tradições
existentes em nosso território, como festividades envolvendo animais
domésticos e domesticados, entranhadas na cultura popular, e que se revestiriam de inegável relevância econômica. Além disso, o art. 64 da Lei das Contravenções Penais já puniria tais ações.
Ora, deixar de considerar
crime toda forma de crueldade contra animais domésticos ou domesticados,
a pretexto de que o art. 32 da Lei impede uma atividade cultural e
econômica específica, como a vaquejada, rodeios, etc. é um gritante
contra-senso.
Argumentos econômicos não
podem servir de alegação para justificar atos de crueldade. Se a
Constituição Federal, no inciso VII do §1º do art. 223, determina a punição de atos de crueldade contra animais[1], não cabe ao legislador ordinário restringir a proteção legal.
Nem se propugne que o art. 64 da Lei das Contravenções Penais[2], que
também tipificava a crueldade contra animais, serviria de “soldado de
reserva”, na medida em que, com o advento do art. 32 da Lei n. 9.605/98,
aludida contravenção acabou sendo revogada pelo mencionado Diploma,
cuja tutela é específica e mais abrangente, com imposição de penas mais
severas.
Portanto,
o art. 64 da LCP não mais existe no mundo jurídico, de forma que, caso o
art. 32 da Lei n. 9.605/98 tenha a sua redação suprimida, os animais
domésticos e domesticados, que forem vítimas de crueldade, deixarão de
ser objeto de qualquer proteção penal, estimulando os maus-tratos contra
eles. Diante desse “vazio legal”, como ficarão os inúmeros
relatos de comércio ilegal, agressões, mutilação, tortura em rinhas,
extermínio, aprisionamento, abate ilegal, morte por estricnina ou meios cruéis etc?
Interessante alertar que estudos desenvolvidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) têm convencido a comunidade no
sentido de que os atos de crueldade contra animais podem ser os
primeiros sinais de uma violenta patologia que pode incluir vítimas
humanas. Assim, os chamados serial killers, muitas vezes, iniciam o processo matando ou torturando animais quando crianças[3].
Por força disso, o Estado
não pode compactuar com qualquer forma de crueldade, inclusive, contra
animais, pois também é uma forma de violência manifestada pelo homem que
pode se convolar em atos mais graves e reprováveis contra a própria
sociedade.
Note-se que, por se tratar
de grave questão, tem surgido um forte momento social no sentido de
compelir os Poderes Públicos a adotarem medidas protetivas mais
contundentes, a fim de evitar tais ações reprováveis contra os animais
domésticos ou domesticados.
Que a comunidade, portanto, se mobilize pela proteção de todos os animais, silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos,
sem qualquer discriminação, pois a repressão de qualquer forma de
crueldade, tortura, maus-tratos constitui acima de tudo um postulado
ético-social do Estado Democrático de Direito.
[1] Reforçando a tutela aos animais domésticos ou domesticados, vale mencionar que o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, em seu art.
1º já assegurava, outrora, que “Todos os animais existentes no País são
tutelados pelo Estado”. O art. 17, por sua vez, já rezava que “ A
palavra animal, da presente lei, compreende todo ser irracional,
quadrupede ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos”. O art.
2º, § 3º , finalmente, já previa que: “Os animais serão assistidos em
juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos
legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais”.
[2]
Art. 64 da LCP: “Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho
excessivo: Pena- prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou
multa.
§1º Na mesma pena incorre aquele
que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar
público ou exposto a público, experiência dolorosa ou cruel em animal
vivo.
§2º Aplica-se a pena com aumento
de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com
crueldade, em exibição ou espetáculo público”.
[3]Disponível em: http://www.peta.org/mc/factsheet_display.asp?ID=132. Acesso em: 26/03/2010.
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