BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRÁFICO DE PESSOAS
Fernando Capez. Jurista.
Um dos grandes
desafios com que se depara a sociedade atual consiste no combate às
atividades perpetradas por organizações criminosas, cujos tentáculos se
estendem além dos limites territoriais estaduais ou nacionais.
O perigo difundido por
tais práticas ilícitas é uma grande célula cancerígena que se dissipa
difusamente pelo tecido social, acarretando efeitos nefastos,
devastadores, para a manutenção da ordem social, da estabilidade da
estrutura democrática, da organização familiar e coloca em risco a vida,
a saúde física e psicológica, a segurança, de um número indeterminado
de pessoas.
Nesse contexto, assume especial relevo o combate ao tráfico de pessoas.
O art. 3º do Protocolo Adicional
à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em
Especial Mulheres e Crianças (promulgado pelo Decreto n. 5017, de
12/03/2004), ao tratar do delito de tráfico de pessoas, o define como:
"o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o
acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras
formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade
ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração
incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras
formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados,
escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção
de órgãos” (grifo nosso)[1].
Note-se que o tráfico
de crianças e adolescentes, ao lado do tráfico de mulheres, para fins
de exploração sexual, é uma das modalidades que mais tem crescido nos
últimos tempos, conduzindo, inclusive, o legislador a instituir pela Lei Federal n º 9.970/ 2000, o dia 18 de maio como o “Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes”, data esta que tem desencadeado atos de mobilização social
e política no intuito de promover a conscientização da população sobre a
gravidade do tema.
Nesse prisma, pode-se afirmar
que crime de tráfico de pessoas é, atualmente, uma das formas mais
graves de violação aos direitos humanos. As
vítimas, geralmente, de baixa renda, via de regra, são ludibriadas,
seduzidas por promessas de trabalho lícito e moral, em território
estrangeiro ou nacional, mas chegando ao seu destino, transmudam-se em
verdadeiro objeto de exploração sexual, escravidão, sujeitando-se a
condições desumanas, degradantes.
O ser humano, no caso, é
transformado em objeto, em algo passível de ser comercializado ou
apropriado para satisfação dos interesses alheios e as mínimas condições
condignas de existência são violentamente proscritas, menoscabadas,
trazendo marcas indeléveis para a sua personalidade.
Por força da grande
lucratividade e o baixo risco da atividade desenvolvida, traficar
pessoas acaba sendo muito mais vantajoso para as organizações criminosas
do que o tráfico de armas e drogas. Sem dúvida, é muito mais fácil a apreensão
de um artefato ou substância entorpecente ilegal, do que a
identificação do transporte ilícito de uma pessoa para fins de
exploração, até porque o consentimento destas, muitas vezes, é obtido
mediante fraude, como por exemplo, a realização de casamento com o
aliciador estrangeiro, camuflando, portanto, o delito, o que dificulta
sobremaneira a sua descoberta a tempo. Além do que, a mesma pessoa, ao
contrário de uma arma ou droga, pode ser usada repetidamente, durante
longo prazo, gerando lucros contínuos.
Em razão disso, o tráfico de pessoas, ao lado do tráfico de armas e de drogas, constitui uma das atividades criminosas mais lucrativas, chegando a movimentar mais de US$ 12 bilhões ao ano.
Diante desse assustador
panorama, emerge a necessidade de alertar e mobilizar a sociedade e
todos os órgãos públicos no sentido de combater prática tão execrável, que, além de servir de sustentáculo para as
organizações criminosas, coloca em perigo bens jurídicos de importância
vital para o Estado Democrático de Direito, posto que constitui uma das
formas mais graves de violação aos direitos humanos.
[1] Na
legislação penal pátria diversos dispositivos legais, em harmonia, com o
aludido documento internacional, tipificam de alguma forma a matéria:
CP, arts. 149, §1º, inciso I e II; 198; 203, §1º, incisos I e II; 204;
206; 207, caput e §1º; 231 e 231-A, com a redação determinada
pela Lei n. 12.015/2009; 245; Lei n. 6.815/80, art. 125; Lei n.
8.069/90, arts. 238 e 239; Lei n. 9.434/97, art. 14 e seguintes.
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