Roger Spode
Brutti
Delegado de polícia titular da delegacia de polícia de Júlio de
Castilhos/rs e substituto da delegacia de polícia de Tupanciretã/rs;
Especializando em direito penal e processo penal pela Universidade
Luterana do Brasil, Campus Santa Maria/RS.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho, procurar-se-á
defender o posicionamento de que a arma de fogo, à luz da legislação vigente,
deve ser considerada objeto bastante, para a configuração dos crimes elencados
na Lei nº10.826/03, em que pesem fortes correntes contrárias, tanto de natureza
jurisprudencial como doutrinária.
Visar-se-á, mais do que defender, fazer
com que todos lembrem do essencial e célebre princípio outrora criado por
Montesquieu, às vezes esquecido pelos juristas e doutrinadores pátrios.
Para
Montesquieu o Estado haveria de ser repartido, por assim dizer, em três
poderes, cada qual com uma função distinta. "Em sua opinião, o normal
seria a existência de um órgão próprio para cada função, considerando
indispensável que o Estado se organizasse com três poderes, pois ‘tudo estaria
perdido se o mesmo homem ou mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou mesmo
do povo, exercesse a totalidade desses três poderes’" ( Dalmo de Abreu
Dallari, Elementos de Teoria Geral do Estado, Editora Saraiva, página 189
).
ARMA DE FOGO E A
LEGISLAÇÃO VIGENTE
Os
crimes de arma de fogo encontram-se elencados na Lei 10.826/03 (Estatuto do
Desarmamento), que revogou a Lei 9.437/97. Os crimes estão previstos nos
artigos 12 a 21 do referido diploma legislativo.
Para
evitarmos a redundância, analisaremos, apenas, o art. 14 da Lei em evidência,
que assim dispõe:
Porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido
Art.
14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda
ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Objetividade
jurídica: a incolumidade pública.
Classificação: trata-se de crime de
mera conduta, comum, de ação múltipla, e de perigo abstrato.
Trata-se, ainda, de norma penal em
branco, uma vez que a expressão "em desacordo com determinação legal ou
regulamentar" denota a necessidade de complementação do que vem a ser arma
de uso permitido.
Objeto material: arma de fogo,
acessório ou munição, de uso permitido.
Sujeito ativo: por tratar-se de
crime comum, o agente pode ser qualquer pessoa.
Sujeito passivo: a coletividade.
Elemento objetivo do tipo: corresponde
ao aspecto objetivo ou exterior da ação, ou seja o comportamento proibido.
No artigo 14 temos 13 verbos:
1. Portar: trazer a arma consigo;
2. Deter: conservar a arma em seu
poder;
3. Adquirir: obter a arma por meio
de uma compra;
4. Fornecer: abastecer o comércio
clandestino de armas, vender, desde que de forma esporádica, já que se no
exercício de atividade comercial ou industrial, a tipificação será do artigo
17;
5. Receber: aceitar ou acolher arma
de fogo;
6. Ter em depósito: conservar a
arma;
7. Transportar: conduzir a arma de
um lugar para outro;
8. Ceder, ainda que gratuitamente:
transferir a posse da arma para outra pessoa, sem qualquer ônus para esta;
9. Emprestar: confiar a alguém,
gratuitamente ou não, o uso da arma, a qual será depois restituída ao seu
possuidor;
10. Remeter: expedir ou enviar a
arma de fogo;
11. Empregar: fazer uso da arma;
12/13. Manter sob guarda ou
ocultar: conservar a arma em local guardada, dissimular, esconder a arma de
fogo.
Consumação: o agente consuma o delito
no momento em que realiza um dos verbos do tipo penal em questão.
Elemento subjetivo do tipo: é o dolo,
que consiste na vontade livre e consciente do agente em realizar as condutas
descritas no tipo, abrangendo o conhecimento dos elementos normativos do tipo.
Elemento normativo do tipo: contido
na expressão "sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar". Assim, o agente que é surpreendido portando uma arma de
fogo com autorização expedida pela autoridade competente, e em horário e local
autorizados pelo regulamento, não pratica o delito.
É evidente que o sujeito ativo,
mesmo possuindo autorização para portar arma, não poderá exibi-la
ostensivamente em local de aglomeração pública.
Com efeito, a ostensividade do material
bélico, ainda que por um agente de polícia, p.ex., em um local público e com
ausência de situação de um estrito cumprimento do dever legal, enseja situação
de visível perigo à coletividade.
Anteriormente, uma questão que
suscitava caloroso debate era aquela acerca do fato de a arma não estar
municiada. Discutia-se se referida conduta subsumir-se-ia, ou não, em tipo
penal.
Pois hoje em dia a questão já
perdeu a sua razão de ser, em decorrência da previsão especifica contida nos
artigos 12 e 14, quando ali observamos as expressões “acessório ou munição”.
O fato de o agente trazer a arma
desmuniciada e desmontada já caracteriza, dessarte, a conduta incriminada.
De modo indubitável, a letra da Lei é
clara e não abre margem a qualquer suscitação de dúvida.
Se é incompreensível, dentro de uma
sociedade democrática e de direito, uma idéia de civilização sem juízes
independentes, que possam conter o uso da força contra o oprimido ou o abuso do
poder contra os mais fracos, também incompreensível é que o Estado-juiz
desconsidere a faculdade constitucional do Legislador, invadindo a sua seara de
atribuições, considerando as letras que desejar e desconsiderando aquelas que
vão contra a sua noção de “conveniência e oportunidade”.
Pois é aqui em que nos deparamos com o ponto
fulcral da questão em tela: “É constitucionalmente válido ao Judiciário
transformar a leitura de um texto legal, fazendo emanar dele letras que ali
nunca foram inseridas por quem constitucionalmente de direito, ou não
visualizando em seu texto vocábulos nele tão perfeitamente estampados, em
perfeito e hialino vernáculo?!
Tenho que a tarefa do magistrado é a de
interpretar e aplicar a legislação, dada pelo Poder Político Constituinte,
sempre antes verificando a constitucionalidade do texto. Nesse sentido, o
artigo 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Compl. 35, de 14.03.79
– LOM), diz que é dever do magistrado cumprir e fazer cumprir, com serenidade e
exatidão, as disposições legais.
O juiz constrói, pois, um sistema
lógico cujo ponto de partida são as leis feitas pelo Legislativo e nisso baseia
a sua decisão. Quero dizer: o juiz não pode legislar e deve se submeter às
proposições normativas vigentes.
É claro que se o juiz aplicar
estritamente o direito, que é extremamente formalista e segue rigorosamente a
lei, pode, muitas vezes, causar danos à justiça, ou mesmo agir com injustiça.
Por isso, é necessário abrandar o texto legal, através da equidade.
Todavia, essa eqüidade não pode ser
utilizada como pressuposto de abuso.
Não impor limites à chamada eqüidade,
seria permitir a aniquilação plena das atribuições do Legislativo, Órgão este
responsável pela expressão da vontade popular, resumindo-o em um simples
formador de esboços de textos legais a serem “complementados” ao bel prazer dos
Juristas que com eles viessem a se deparar.
O juiz, aplicador do direito, com a sua
competência e investido no órgão Judiciário, tem seu poder de decisão de
conflitos limitado pela dogmática jurídica, pois deve aceitar as normas
jurídicas, sem negá-las ou contestá-las. Porém, como o direito só é aplicado
depois de interpretado, o juiz tem, por óbvio, certa liberdade ao interpretar
as normas. Não obstante, mesmo nesse aspecto, a dogmática limita o poder do
magistrado, já que, a interpretação válida é aquela que segue, obviamente, os
padrões dogmáticos. Podemos afirmar, ainda, que o juiz tem seu poder um pouco
mais “alargado” quando é autorizado a julgar por eqüidade, embora essa
possibilidade de poder torna-se pequena quando comparada com o “poder de legislar”,
este sim próprio do Legislador.
No tocante à questão em pauta, sobre considerar-se
crime, ou mera infração administrativa, o portar arma de fogo desmuniciada,
observamos uma tendência do Estado-juiz
em não considerar a arma de fogo desmuniciada objeto bastante, para a
configuração dos delitos capitulados na Lei nº10.826/03.
Com
efeito, o nosso Pretório Excelso (STF, 1ª Turma, RHC 81057), recentemente,
suspendeu ação penal por porte ilegal de arma, declarando atípica a conduta,
contra decisão do Egrégio STJ.
O cerne do fundamento jurídico de tão
estardalhaçante decisum resume-se no argumento de que, tratando-se de arma
desmuniciada, esta circunstância lhe retira a potencialidade ofensiva, e, por
conseqüência, a tipicidade da conduta, eis que o bem jurídico protegido, a
incolumidade física coletiva, somente pode ser ameaçada pela possibilidade da
arma produzir disparos (e não a mera capacidade).
Vemos, aqui, um violento choque de
visões e, conseqüentemente, interesses, onde quem sai prejudicado, como de
ordinário ocorre, é o cidadão de bem, aquele que paga os seus impostos e, do
Estado, só implora mais segurança a si e à sua família.
Ora, o Legislador impregnou, na norma,
com a mesma força e com a mesma energia com que um fazendeiro marca, indelevelmente,
o seu gado com o ferro em brasa, por
meio da expressão “acessório ou munição”, que o bem jurídico protegido pela
norma (incolumidade
pública) não exige um perigo concreto, mas sim, patentemente, um perigo
abstrato.
Não existe, pois, qualquer gris,
tampouco adminículo na letra da Lei, que possa suscitar dúvidas a respeito
disso.
E que prerrogativa constitucional,
portanto, foi conferida ao Estado-juiz, para desvirtuar, tão flagrantemente, a
vontade do Legislador?!
Estaríamos em uma situação de paz
absoluta em nosso país onde a repreensão veemente ao comércio clandestino de
instrumentos bélicos não passaria de um mero capricho desnecessário de uma
mente exageradamente preocupada?!
Por óbvio, p. ex., as ações de portar,
deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição
(grifei), de uso permitido, sem sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar, fomenta, estampadamente, a criminalidade em nosso meio
social, esta já em índices elevadíssimos como é de todos sabido.
Com o mesmo espírito, aliás, a Lei
nº6.368/76, em seu art. 16, já reprime a “posse” de substância entorpecente. De
fato, se o delinqüente estiver de posse de uma simples cigarro de maconha, não
há aqui qualquer espaço, para discutirmos que perigo concreto referida conduta
poderia trazer a terceiros, muito menos se o autor poderia, ou não, dispor de
sua própria saúde. O que o Legislador visa com tal repressão é, logicamente,
impedir o fomento do tráfico.
Dizer-se, destarte, que a mesma posse,
só que de um instrumento bélico, ainda que desmuniciado, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar, não fomenta o índice de
criminalidade em nossa sociedade é proferir-se um disparate, algo
verdadeiramente ilógico, não próprio de quem está comprometido com a promoção
de uma necessária contenção da alarmante criminalidade que fomenta o nosso país.
Claro aos olhos deveria ser, a todos,
que o que se busca na tipificação de delitos de perigo abstrato como os
capitulados na Lei nº10.826/03 "é a essencial manutenção da vigência da norma"
e, conseqüentemente, da ordem pública.
A tipificação dos crimes de perigo
abstrato, efetivamente, representam uma preocupação de cunho prevencionista do
direito criminal da nossa sociedade contemporânea, a qual deseja antecipar a
punição de certas condutas, com o fim de prevenir perturbações futuras e
garantir a segurança, porquanto já
fatigada está com as lesões efetivas aos seus bens juridicamente tutelados.
In casu, nada mais lógico do que
reprimir, no limiar, uma “ofensa” aos nossos bens jurídicos, a qual, pela
lógica, sem a devida repreensão do Estado, tornar-se-ia, futuramente, uma
efetiva “lesão” a esses nossos mesmos bens juridicamente tutelados.
Aproveito-me, pois, neste momento, para
colacionar aos leitores um interessante julgado, onde o Estado-juiz, à época,
concluíra pela atipicidade da conduta do morador de área bucólica possuidor de
arma de fogo que não dispunha de munição ao seu alcance:
PROPRIEDADE
RURAL. ARMA DE FOGO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. EXCLUSÃO.
No julgado em apreço, vê-se que há um
fundamento aparentemente lógico e razoável, exigido pela Constituição Federal
em seu art. 93, inciso IX, onde consta que todas as decisões judiciais serão
fundamentadas, sob pena de nulidade.
Todavia, o leitor atento pode observar
que o ponto que constitui a essência do decisum é aquele em que o julgado cita
como elemento da tipicidade a indispensabilidade de que o armamento estivesse
disponível para um alegado “uso
imediato”.
Ora, se essa necessidade de
disponibilidade para um chamado “uso imediato” poderia suscitar alguma dúvida
na vigência da Lei nº9.437/97, agora, com o advento do novo Estatuto legal de
22/12/2003, não cabem quaisquer incertezas a respeito do perigo abstrato, causado pelo fomento à ilicitude, que a arma,
mesmo desmuniciada, ou qualquer peça sua
(grifo meu), provoca em nosso âmbito social. E esse fomento tornasse
conseqüência lógica, em um mundo de criminalidade já caótica como o que vivemos, caso não haja
a necessária e preventiva repreensão implacável e de cunho penal do nosso
Estado. Não se deveria cogitar, como
certamente se fez, no julgado acima, a teórica possibilidade daquele pacato
morador do campo utilizar o armamento bélico contra um terceiro, mas a
disponibilidade, que por meio da sua conduta perfaz-se, de mais um instrumento
bélico posto em nosso meio social, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar. E, para quem não sabe, aí vai um dizer de
quem, na condição de Delegado de Polícia, atuante na função repressiva do
Estado há mais de uma década, possui experiência prática, para,
categoricamente, afirmar: são extremamente comuns os registros de ocorrências
policiais, em nosso dia-a-dia, onde pacatos cidadãos, tanto os moradores das
nossas áreas campestres como os residentes em nossas áreas urbanas, deixam
comunicado o fato de que as suas residências foram alvo de furto ou roubo, e de
onde acabaram sendo subtraídos, dentre vários bens economicamente apreciáveis,
justamente, armas de fogos (quer com autorização e em acordo com determinação
legal ou regulamentar; quer sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar). A pergunta, relativamente irônica, que resta, agora, é
a seguinte: para quem irá e para o que servirá a arma de fogo ilicitamente
subtraída pelo marginal?!
O número de armas de fogo que são
subtraídas, no meio urbano e no meio rural, pelos larápios contumazes, é uma
verdadeira absurdidade, fato que fomenta, desenfreadamente, a criminalidade já
em níveis caóticos em nosso meio social.
Frente a esta problemática, a par das
opiniões contrárias daqueles que não confiam o suficiente no Estado-polícia,
optou o Legislador em reprimir, com perceptível clareza, a manutenção, pelo
cidadão, em desacordo com a Lei ou determinação regulamentar, armamento bélico,
estando ele municiado, ou não; estando ele “inteiro”, ou não (lembre-se sempre
da expressão legal “acessório ou munição”). E, por isso, não pode agora o jurista, às vezes
descontente com a postura do Legislador, Órgão este que, constitucionalmente,
detêm a representação da vontade popular, considerar a letra da Lei como “coisa
não escrita”.
De acordo com a corrente que se está
formando, chegar-se-ía ao disparate de considerarmos, como mera transgressão
administrativa, v.g., um carregamento clandestino de centenas ou milhares de
armas de fogo, sem qualquer munição próxima a elas, por ausência de um chamado
“perigo concreto”!
Questão ferrenha que se mantém, de
outra banda, é saber-se se a conduta da pessoa em possuir uma arma de fogo
desmuniciada aproximar-se-ia mais de uma transgressão de “natureza” penal ou,
então, tão-só, de uma transgressão de “natureza” administrativa. Para os
defensores do direito penal mínimo, logicamente, afasta-se ela da natureza
criminal, devendo ser tratada administrativamente. Todavia, por força
constitucional, é o Legislador, com o mandato concedido pelo eleitor, quem,
legitimamente, decide a respeito. E assim ele o fez, com patente clareza, ao
editar a Lei nº10.826/03. Aliás, é-nos cediço que não existe uma diferença de
natureza ontológica entre ilícito penal e ilícito civil, pois ambos ferem o
nosso ordenamento jurídico. Assim, a única diferença entre o ilícito penal e o
ilícito civil é a diferença de cunho meramente formal, ou seja, aquela
estabelecida na lei penal, pelo Legislador. Caso ali, na Lei penal, não esteja
tipificada determinada conduta, por certo, pelo princípio da reserva legal, o
ilícito é, tão-só, civil. Agora, estabelecida, então, no ordenamento penal, com
todas as letras e com toda a clareza possíveis, e em acordo com os princípios
constitucionais e infraconstitucionais que nos regem, não estando, ainda,
viciada por qualquer contradição ou ilogicidade flagrante, a conduta haver-se-á
de ser tida como um ilícito penal, não sendo permitido, ao jurista cujo texto
não lhe caiu no seu agrado, promover qualquer inovação.
Por certo, às vezes, o Legislador, na
ânsia de “Legislar contra a criminalidade”, em defesa do seu eleitorado, comete
contradições flagrantes, o que deve, tão-só nessas hipóteses de natureza
irrefutável, permitir-se, por parte do Judiciário, vamos dizer, uma lícita
correção do dispositivo, tudo com base no bom senso e na eqüidade. Exemplo
dessa interferência lícita, poderíamos citar, é o parágrafo único do art. 14 da
comentada Lei nº10.826/03, onde se estabelece que a pessoa cuja sua conduta
subsuma-se no referido tipo, e cujo armamento bélico não esteja em seu nome,
terá a sua liberdade, forçosamente,
cerceada, porquanto o delito seria, assim sendo, inafiançável. No
entanto, quer seja por haver contradição expressa com o art. 21 da mesma Lex ,
onde se estabelece que os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são
insuscetíveis de liberdade provisória, nada referindo-se ao citado parágrafo
único do seu art. 14; ou quer, ainda, pela ilogicidade de um delito ser
considerado inafiançável, se a sua pena máxima prevista permite o regime
inicial de cumprimento como sendo o
aberto, tem-se pacífico no nosso meio jurídico a desconsideração do referido
texto como a única opção acertada.
Quiçá seja mesmo em decorrência de
inúmeras ilogicidades como a acima exposta, o Estado-juiz criou, ao longo do
tempo, corpo e coragem, para, ao seu bel prazer, mesmo quando nenhuma
contradição legal reluzisse-se aos olhos do intérprete, criar novas normas,
considerando ou não considerando, ainda que nos mais hialinos textos legais
possíveis, a vontade expressa do Legislador.
CONCLUSÃO
Como, sabiamente, Lord Acton, em carta
ao Bispo M.Creighton, no ano de 1887, já declarara, “todo o poder tende a
corromper; e o poder absoluto corrompe absolutamente.” Esta afirmação, com
efeito, já nos foi provada ao longo da história da nossa humanidade.
O poder tende, insofismavelmente, a fascinar, deixando o desatento cego mesmo
ao que está patente à sua frente.
E, literalmente, parece haver ocorrido
isso na relação entre o Judiciário e a letra cristalina da Lei nº10.826/03.
A vontade do Legislador, quando
uníssona com os ditames constitucionais, em em prol manifesto dos interesses
coletivos, deve, sempre, ser tratada com
o respeito a que faz jus. Assim, outrora, Montesquieu, pela bem articulada
Teorização da Tripartição dos Poderes, já nos deixara claro.
Permitir-se, portanto, que a posse, sem
autorização e em desacordo com determinação legal, daquele instrumento criado,
precipuamente, para matar, seja, gritantemente de forma contrária à vontade do
Legislador, tratada como mera infração de cunho administrativo, é fomentar, por
demais, a já estapafúrdia criminalidade vigente, o que, por certo, não condiz
com uma atitude lógica de qualquer Órgão, incluindo-se dentre eles o nosso
Judiciário, cuja incumbência é a promoção do bem estar social.
Fonte: http://www.ufsm.br/direito/artigos/penal/arma_desmuniciada.htm
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