Luiz Flávio Gomes
Três
surpresas (dentre outras) ganharam protagonismo no julgamento, pelo
STF, da Lei da Ficha Limpa. Elas comprovaram, uma vez mais, que o
direito não é matemática. A primeira surgiu logo no seu princípio,
quando o Presidente da Corte (ministro Cezar Peluso) levantou uma
questão preliminar no sentido de que a lei não teria nenhum valor
jurídico, em razão da existência de vícios formais no momento da sua
tramitação no Senado Federal. O projeto foi aprovado inicialmente na
Câmara dos Deputados e sua redação tornava inelegíveis os candidatos que
“tenham sido condenados” por uma das infrações e na forma descrita na
referida lei.
Esse
texto foi modificado pelo Senado Federal por proposta do Senador
Francisco Dornelles (PP–RJ) e a redação final transformou-se para “os
que forem condenados”. De acordo com o ponto de vista do Presidente do
STF teria havido uma modificação radical no projeto de lei e isso, de
acordo com o processo legislativo constitucional vigente, exigiria o seu
retorno para a Câmara dos Deputados. Não teria ocorrido um mero ajuste
de redação, sim, uma alteração essencial no projeto.
Dois
motivos nos levam a adotar posição contrária à do eminente ministro
Peluso. Em primeiro lugar, a alteração da redação foi puramente formal.
No ordenamento jurídico brasileiro nós encontramos incontáveis
dispositivos legais que ora dizem “os que tenham sido condenados” e ora
dizem os “que forem condenados”. Trata-se de questão estritamente
formal, que não chega a permitir nenhum questionamento de
inconstitucionalidade, por essa razão. Acrescente-se que qualquer que
tivesse sido a redação sempre seria exigível uma interpretação por parte
do Judiciário. Portanto, não parece acertado que o Supremo Tribunal
Federal deixe de analisar o mérito da ação em julgamento, prendendo-se a
aspectos formais. O que todos estamos aguardando é a sua interpretação
final, que deve ser conforme a Constituição.
Em
segundo lugar, no modelo processual brasileiro o juiz não pode atuar de
ofício, salvo em situações extremamente peculiares e devidamente
contempladas na lei, como é o caso da concessão de habeas corpus de
ofício, em favor do réu, em casos de patente constrangimento ilegal
contra a liberdade do indivíduo. Por força do sistema acusatório, que
faz parte da essência do nosso Estado de Direito, o juiz somente pode
atuar quando devidamente provocado. As partes, neste caso da lei da
ficha limpa, não argüiram absolutamente nada relacionado à
inconstitucionalidade formal. Logo, não nos parece acertado o argumento
do ministro Peluso no sentido de que todos os ministros deveriam votar
antes a questão da validade formal da lei.
O
que mais importa e o que todo país está esperando é, sem sombra de
dúvida, o julgamento do mérito da questão, ou seja, saber se a lei da
ficha limpa é (ou não) aplicável às eleições deste ano de 2010. É isso
que gerará grande repercussão nacional, porque muitos candidatos podem
ser eleitos no próximo dia 3 de outubro e depois não terem condições de
tomarem posse em seus cargos. A decisão do Supremo, de outro lado, pode
também interferir no voto dos eleitores, na troca de candidatos e no
resultado das eleições.
A
segunda surpresa (até certo ponto previsível) foi o empate na votação
(5x5). A terceira consistiu em o Ministro Peluso ter se recusado a votar
pela segunda vez ou fazer valer o seu como “voto de qualidade” (“não
tenho pendor para déspota”, teria dito). O julgamento foi suspenso e,
logo em seguida, veio a notícia da renúncia da candidatura de Roriz. A
ação pendente de julgamento final perdeu seu objeto. O STF, nesse caso,
terá que firmar seu posicionamento em outra ação.
Não
há dúvida, diante de todo exposto, que a decisão de mérito do STF
continua sendo aguardada, até mesmo com muita ansiedade, por todos os
que estamos atentos ao processo democrático brasileiro. De qualquer
modo, uma coisa é certa: a lei é constitucional (isso já foi um avanço).
Quem imaginou o contrário se frustrou. As possíveis soluções para o
desempate são as seguintes: (a) fazer valer o “voto qualidade” do
Presidente; (b) a proclamação contrária à pretendida (o pedido seria
negado) e (c) aguardar o voto do 11º ministro (ainda não nomeado).
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