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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

DIFERENÇAS: CONTRAIR CASAMENTO E CONSTITUIR UNIÃO ESTÁVEL

Historicamente, ao lado do casamento, união formal, era possível se identificar duas espécies de uniões informais: o concubinato impuro, que caracterizava uma relação em que um dos componentes (ou ambos) possuía impedimento para o casamento e o concubinato puro, em que ambos não possuíam impedimento para o casamento. Esta segunda espécie deu origem à união estável.

O que difere o casamento da união estável? Do ponto de vista legal, ambos são entidades familiares constantes do rol do art. 226 da Constituição Federal. Por esse motivo, alguns autores sugerem conferir os mesmos direitos deferidos aos cônjuges aos companheiros, afirmando existir isonomia entre eles pelo fato de estarem justapostos no mesmo artigo da Lei Maior. Por outro giro, outros igualmente renomados, entendem pela diferenciação. Por óbvio, se os institutos fossem idênticos, a Carta Magna não disporia que “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (art. 226, §3º da CF), frise-se, com toda razão, pois somente há possibilidade de se converter coisas distintas, o que não é, no que é.

Enquanto a união estável se constitui relação informal (sem solenidades) e baseada no afeto, o casamento e o testamento público são os negócios jurídicos mais solenes do ordenamento jurídico: exigem capacidade, livre manifestação de vontade, aposição de fé pública, testemunhas, cumprimento do princípio da oralidade e assinatura (do testador ou dos nubentes, conforme o caso). Cercou o legislador de várias cautelas para que o casamento cumprisse tais formalidades, sem as quais poderá ser declarado nulo ou anulável. Por esse motivo, os efeitos jurídicos, entendidos como consequências naturais que decorrem do casamento, escolhem se casar aqueles que estão dispostos a cumprir as formalidades e a conferir certos direitos ao outro cônjuge.

Na verdade, a convivência pode ser idêntica se ambos, de boa-fé e com sentimentos nobres e recíprocos, decidem viver juntos. Acontece, que os efeitos jurídicos do casamento são diferentes daqueles previstos para as uniões informais. Há vários indicadores de que união estável e casamento não se equivalem: a união estável não confere estado civil de casado, permanecendo solteiros os companheiros; a mulher casada goza de presunção de paternidade do marido em favor de seus filhos, o mesmo não ocorre quanto aos companheiros; o intuito de constituir família (um dos requisitos configuradores da união estável) é altamente subjetivo, não se podendo verificar se ambos têm essa intenção; enquanto o casamento possui um regime de bens, à união estável aplicam-se as regras do regime da comunhão parcial de bens. Outra sensível diferença se mostra no campo da prova da existência da união: enquanto o casamento se materializa numa certidão, capaz de provar por si só a existência do vínculo, resta àqueles que constituíram união estável, muitas vezes, provar através de audiência de justificação em que o juiz declara por sentença a sua condição de companheiro, após a morte do outro. E as diferenças não cessam por aqui.

Pelo vigente Código Civil, a maior desproporção quanto aos efeitos entre casamento e união estável reside no direito sucessório. Veja-se primeiramente as disposições quanto aos direitos sucessórios no casamento: excluindo-se o regime da separação bens obrigatória (maiores de 60, flagrantemente inconstitucional), em todos os demais, inclusive no regime da separação absoluta de bens (também denominado separação total de bens) o cônjuge será herdeiro quanto aos bens que compõem o patrimônio particular do cônjuge falecido. Entenda-se: bens particulares são aqueles adquiridos antes do casamento e supervenientes por doação ou herança. Além de ser herdeiro legal, o cônjuge é também herdeiro necessário (aquele a quem a lei assegura uma cota de bens, não podendo ser preterido na transmissão da herança), concorrendo com os descendentes e ascendentes do cônjuge falecido, figurando nas três classes sucessórias de maior relevância. Conta, ainda, o cônjuge com o direito real de habitação em caráter vitalício, quanto ao imóvel pertencente ao falecido cônjuge, assegurando-lhe permanência no imóvel em que residia o casal (não mais restrito ao estado de viuvez, mas enquanto viver, independentemente de constituir outra união).

O mesmo não ocorre na união estável. O diploma civil determina que o companheiro participe apenas quanto aos bens adquiridos a título oneroso durante a convivência.  É o que determina a letra da lei. Seria uma espécie de meação, já que são aplicadas as regras do regime da comunhão parcial de bens: o que significa dizer que terá metade do patrimônio adquirido durante a união estável. Em relação à esfera de bens particulares, o companheiro não terá direito, ficando apenas para descendentes do falecido ou, na ausência destes, para seus ascendentes. É o entendimento de grande parte da doutrina.

Por ser o casamento um negócio jurídico essencialmente solene, escolhe-o quem prefere suas formalidades (quer por questões sociais, quer por religiosas) e deseja que os efeitos dele decorrentes se façam cumprir. Já quem elege constituir união estável, prioriza a relação informal, decide por uma união cujos efeitos não geram direitos sucessórios ao companheiro quanto à esfera de bens particulares, segundo dicção do art. 1790 do vigente código.

Contrair casamento e constituir união estável são situações diferentes do ponto de vista da própria natureza e requisitos das espécies de união e, principalmente, como já salientado, no que tange à produção de efeitos jurídicos post mortem. A lei oferece dois institutos com efeitos distintos exatamente para que as pessoas elejam o que melhor lhes convêm. Ademais, deferir tratamento idêntico ao do casamento à união estável, viola a vontade dos sujeitos que a contraem: se preferiram a união estável ao casamento, obviamente nunca pensaram sobre o fato ou simplesmente não desejam atribuir ao companheiro os direitos que a lei confere ao cônjuge. Aqueles que não possuem impedimento para o casamento, podem contrair núpcias, conferindo todos os efeitos sociais e sucessórios inerentes à condição de cônjuge, desde que o queiram. Ou decidir pela união estável, com seus efeitos legais, próprios desse instituto. A jurisprudência caminha no sentido de pacificar a isonomia entre tais institutos, ousa-se afirmar, constituirá franca violação ao exercício da autonomia privada das pessoas envolvidas, ao livre arbítrio e à liberdade de exercer escolhas conscientes.

Fonte: Laboratório Jurídico

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