Há
pouco mais de dez anos a ciência buscava garantir a certeza da filiação
biológica através do revolucionário teste de DNA, que chega a alcançar
99,9% quanto à segurança de seu resultado. Foi necessário longo período
de estudos quase obstinados para que tal percentual fosse alcançado.
Evoluiu a ciência, constataram-se inigualáveis avanços tecnológicos e
muda-se a sociedade em perfeita consonância com
um mundo globalizado e pautado na dignidade humana. É assim que o
código genético passa a ceder espaço ao caráter afetivo do vínculo que
se estabelece entre as pessoas.
Com a
perspectiva de um novo Direito de Família, baseado na vigente ordem
constitucional, o princípio da dignidade humana – valor fundante deste
Estado Democrático de Direito – pautado na noção de que família deixa de
ser uma instituição para se tornar um espaço em que as pessoas que a
compõem devem ter a oportunidade de desenvolvem suas potencialidades,
tem-se uma verdadeira revolução quanto aos conceitos que passam a
norteá-lo, porque as pessoas se tornam o centro do ordenamento jurídico.
Passa o Estado a criar e desenvolver
mecanismos de proteção não mais à entidade familiar, mas aos seus
membros, na qualidade especial de pessoas humanas que são. Nessa esteira,
passa o afeto a ser contemplado como aspecto de primeira grandeza, tão
importante que começa a ser apreciado como valor jurídico. Surge, então,
a filiação sócio-afetiva, oriunda da convivência em que se tem a outra
pessoa na qualidade de pai (ou mãe), independente de formalidades como
adoção ou qualquer documento que os vincule. Essa espécie de filiação se
consubstancia na medida em que uma criança ou adolescente passa a ter
em determinado adulto o seu referencial paterno ou materno,
informalmente, simplesmente em decorrência da dinâmica de vida que
desenvolvem, da convivência diária, do amor e da reciprocidade.
Assim, uma criança que ingressa no seio
de uma família simplesmente pelo afeto, e começa a ser tratada como se
filho fosse, enseja uma relação jurídica de filiação independentemente
da existência de laços consanguíneos, pelo simples contato diário,
dependência psicológica, estima, afetividade. E, se com o passar do tempo,
tal relação vai se solidificando, cria para ambos (criança e pai/mãe)
uma situação fática que no direito corresponde à chamada posse do estado
de filho. Isso porque convivem como se constituíssem uma família, o que
na prática pode ser constatado pelo tratamento que as partes se
dispensam, pelo carinho que demonstram e pela interdependência que se
estabelece.
Como no Direito de Família não há
hierarquia entre as diferentes espécies de filiação – consanguínea,
adoção e sócio-afetiva – esses laços fundados no amor e no afeto passam a
apresentar efeitos jurídicos muitas vezes não planejados ou desejados
pelas pessoas envolvidas, mas caracterizados por uma situação de fato
incontestável, perceptível pela convivência rotineira e por aspectos já
assinalados.
Esses efeitos tendem a passar de sociais
a jurídicos, podendo extrapolar os limites de simples convivência, à
obrigação alimentar, evoluindo ao reconhecimento de filiação, o que
traz, como via de conseqüência direta, os direitos sucessórios dela
decorrentes. Nesse caso, os filhos sócio-afetivos passam a concorrer à
herança com os demais, sem distinção de natureza da filiação, uma vez que a constituição instituiu a igualdade absoluta
entre os descendentes. É necessário que a sociedade esteja consciente
desse conceito de filiação que tem sido reconhecida em inúmeras ações
julgadas procedentes, quer pelo Juízo de Família, quer pelos Tribunais
dos Estados e Superiores.
Itaperuna, 30 de julho de 2009.
[1]
Artigo publicado no jornal O Noroeste, edição nº 715, ano XXV,
distribuição no Noroeste Fluminense, Itaperuna, 30 de julho de 2009, p.
2.
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