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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lei sobre regime diferenciado de contratações públicas é inconstitucional

Extraído de: Ministério Público Federal - 09 de Setembro de 2011 


Para Roberto Gurgel, a norma não fixa parâmetros mínimos para identificar obras, serviços e compras que devam seguir o Regime Diferenciado de Contratações Públicas

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra a Lei nº 12462/11, que trata, entre outros assuntos, do denominado Regime Diferenciado de Contratações Públicas, com vistas às obras da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. A ação segue acompanhada de representação formulada pelo Grupo de Trabalho Copa do Mundo Fifa 2014, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
Roberto Gurgel lembra que a lei contestada surgiu de um projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 52/11. A MP foi editada para modificar a estrutura organizacional e as atribuições dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios. Já o projeto de lei de conversão foi apresentado pelo relator da medida provisória para acrescentar ao diploma normativo dispositivos sobre o regime diferenciado de contratação.
Na ação, o procurador-geral destaca que a inclusão de matéria estranha à tratada na medida provisória afronta o devido processo legislativo e o princípio da separação dos Poderes, o que se caracteriza como vício formal. Isso porque essa espécie normativa é da iniciativa exclusiva do presidente da República, a quem compete decidir, também com exclusividade, quais medidas, pelo seu caráter de relevância e urgência, devem ser veiculadas por esse meio, explica.
Roberto Gurgel acrescenta que, ainda que haja espaço para emendas parlamentares no âmbito das medidas provisórias, é preciso que guardem afinidade lógica com a proposição original. Além disso, afirma que, em matéria de iniciativa legislativa, o STF entende que a usurpação atenta de tal forma contra a ordem constitucional que nem mesmo a sanção daquele ente a quem cabia propor a lei convalida o vício. 

Regime diferenciado de contratação - Também é enfatizado na ação que, de acordo com o inciso XXI do artigo 37, da Constituição Federal, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.
Para Roberto Gurgel, a lei impugnada está em evidente contrariedade à vertente da legalidade existente nesse dispositivo constitucional. Ele argumenta que a norma não fixa parâmetros mínimos para identificar obras, serviços e compras que devam seguir o Regime Diferenciado de Contratações Públicas.
Como está fora de discussão a relevância dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e da Copa do Mundo de 2014, a mera referência a necessidades a eles vinculadas não oferece limitação alguma ao exercício da competência administrativa, enfatiza o procurador-geral.
Roberto Gurgel também observa que a experiência mostra o risco que essa delegação representa para o patrimônio público: Por ocasião dos Jogos Panamericanos de 2007, a União, Estado e Município do Rio de Janeiro não conseguiram organizar-se e identificar as obras e serviços que deveriam ser realizados. Essa foi uma das razões para que o orçamento inicial do evento, de 300 milhões de reais, tenha sido absurdamente ultrapassado, com um gasto final na ordem de 3 bilhões de reais.
É afirmado na ação que deficiências graves no planejamento e organização do Poder Executivo para a realização da Copa do Mundo de 2014 já se anunciam, visto que a matriz de responsabilidade prevista na lei em questão não tem recebido a imprescindível e tempestiva atualização. Por isso, defende Gurgel, a transferência, ao Executivo, do regime jurídico de licitação pública, sem quaisquer critérios preordenados na lei, além da ofensa ao artigo 37, iniciso XXI, da Constituição Federal, conspira contra os princípios da impessoalidade, moralidade, probidade e eficiência administrativa". 

Obras e serviços de engenharia - Roberto Gurgel questiona ainda dispositivos da lei que conferem à Administração o dever de adoção preferencial do regime denominado contratação integrada no caso de obras e serviços de engenharia, o que implica uma única licitação para projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços.
O procurador-geral destaca duas características desse regime que estão em desconformidade com o parâmetro constitucional. Uma delas é que obras e serviços serão contratados sem que previamente se tenha definido, de forma clara, o seu objeto. A definição prévia do objeto é um imperativo decorrente do princípio da isonomia dos concorrentes, pois é a partir dele que a diversas propostas podem ser objetivamente comparadas, explica.
A segunda implicação no modelo de empreitada integral adotado pela norma, ao permitir que se concentrem num mesmo contratante o projeto básico e a execução da obra e/ou serviço, está no desvirtuamento de todos os propósitos da licitação. Nas palavras de Marçal Justen Filho, o projeto delineia os contornos da obra ou do serviço, que serão licitados posteriormente. Logo, o autor do projeto teria condições de visualizar, de antemão, os possíveis concorrentes. Poderia ser tentado a excluir ou dificultar o livre acesso de potenciais interessados.
Também é defendido na ação que o procedimento da pré-qualificação permanente, no âmbito do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, viola a finalidade do procedimento licitatório, que é a ampla competitividade, ao buscar a habilitação prévia dos licitantes em fase anterior e distinta da licitação, além de permitir que interessados não pré-qualificados sejam alijados da licitação. 

Danos ambientais e culturais - Roberto Gurgel argumenta ainda que a lei contestada, ao prever a adoção de medidas mitigadoras e/ou compensatórias no caso de obras ou atividades potencialmente causadoras de danos ambientais ou culturais, não pode ser interpretada no sentido de que sejam dispensadas exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental, especialmente a avaliação sobre a possibilidade de realização da obra ou da atividade.
O procurador-geral pede que o STF declare a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 12.462 especificados na ação, com concessão de medida cautelar para se obter, até o desfecho da ação, a suspensão da eficácia da lei.

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