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terça-feira, 29 de maio de 2012

As decisões do STJ que impactam o agronegócio

Extraído de: Associação dos Advogados de São Paulo  - 28 de Maio de 2012


Celeiro do mundo. O título grandioso que acompanha o Brasil desde a década de 70 passou de retórica ufanista para próspera realidade. Nos últimos 30 anos, a produção agropecuária brasileira avançou de forma extraordinária e fez do país o terceiro maior exportador agrícola das principais commodities internacionais como soja, açúcar, suco de laranja, carne de frango e de boi. Na nossa frente, apenas União Europeia e Estados Unidos.

"O agronegócio contribui com 20% do PIB e é responsável por 37% dos empregos do país. Em 2001, exportamos US$ 94,5 bilhões, 37% do total de produtos exportados no ano, sustentando a balança comercial", afirmou José Torres de Melo, vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e presidente da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Agronegócio (CTLOG/Mapa), no evento "O Cenário Atual do Agronegócio", ocorrido em São Paulo, no último mês de março.

O papel do Brasil no mapa internacional da agricultura pode vir a ser o de protagonista na produção alimentícia. Estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indica que a oferta mundial de alimentos precisará crescer 20% em dez anos. Desse percentual, 40% caberiam à agricultura brasileira.

O Plano Agrícola e Pecuário 2011/12 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) reflete essa tendência. Para a safra 2011/2012, os recursos são da ordem de R$ 107,2 bilhões. Um aumento de 7,2% em relação à safra passada. Os destaques são as novas medidas de apoio à pecuária, cana-de-açúcar e agroenergia, além da estocagem de suco de laranja (fonte: site do Mapa www.agricultura.gov.br).

Mas como as decisões judiciais mexem com a dinâmica desse setor gigantesco? A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode impactar as práticas no agronegócio.

Canaviais

A cana-de-açúcar ocupa o terceiro lugar entre os produtos mais cultivados no Brasil. São 85 mil quilômetros quadrados de área plantada, o que equivale ao estado de Santa Catarina (13% do total; fonte: Embrapa/FAO). Em decisão recente (março 2012), a Segunda Turma do STJ proibiu a queima da palha de cana no município de Jaú, interior de São Paulo.

A prática da queima da palha é bastante tradicional, pois facilita a colheita manual da cana. Mas o STJ acolheu os argumentos do Ministério Público paulista, que afirmou que o procedimento acarreta intensos danos ao meio ambiente.

Em primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença por entender que a queima da folhagem seca da cana-de-açúcar não é proibida. Para o TJSP, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938 /81) fixou diretrizes gerais de proteção, não estabelecendo, com relação às queimadas, nenhum tipo de vedação em culturas regulares renovadas.

Inconformado, o MP estadual recorreu ao STJ. Em seu voto, o relator, ministro Humberto Martins, concluiu que a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Segundo o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92, na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.

Segundo ele, as atividades agroindustriais, exercidas por empresas com alto poder econômico, não podem valer-se da autorização constante no Código Florestal para realizar queimadas, pois dispõem de condições financeiras para adotar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Em tais situações, estaria vedado ao poder público emitir essas autorizações.

"Busca-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos na Constituição de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores que retiram seu sustento da atividade agrícola e que não dispõem de outros métodos para o exercício desta, que não o uso do fogo", concluiu.

Transgênicos polêmicos

As multinacionais estão presentes no mercado agrícola brasileiro e são responsáveis por inovações tecnológicas e também por polêmicas judiciais. Um exemplo é a Monsanto, gigante norte-americana que fabrica herbicidas e produz sementes transgênicas de soja.

A soja é o maior cultivo do Brasil. São 220 mil quilômetros quadrados de área plantada (33,3% do total), equivalendo ao estado de Roraima. As cifras são vultosas e o STJ começa a decidir se a ação dos sojicultores gaúchos contra royalties da Monsanto tem alcance nacional.

No primeiro round da batalha travada contra a cobrança de royalties pelo uso da semente transgênica Round-up Ready (RR), os produtores de soja integrantes de dois sindicatos rurais saíram na frente no STJ. Os valores envolvidos chegam a R$ 15 bilhões.

A relatora do recurso na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a legitimidade das entidades de classe para propor a ação na Justiça gaúcha e afirmou que é importante que a eficácia das decisões se produza de maneira ampla, atingindo produtores de soja em todo o território nacional. Essa posição foi seguida pelo ministro Massami Uyeda.

"Não é possível conceber tutela jurídica que isente apenas os produtores do Rio Grande do Sul do pagamento de royalties pela utilização de soja transgênica", ponderou a relatora. "A eventual isenção destinada apenas a um grupo de produtores causaria desequilíbrio substancial no mercado atacadista de soja", avaliou. Na sequência, o ministro Sidnei Beneti pediu vista dos autos para examinar melhor a matéria.

Segundo os autos do processo, 354 sindicatos representativos de produtores rurais já se encontram habilitados na ação coletiva.

Milho

Embates judiciais envolvendo transgênicos não são novidade no STJ. Em 2007, o então presidente da Casa, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, manteve suspensa a comercialização de milho geneticamente modificado nas regiões Norte e Nordeste.

O milho é o segundo produto mais cultivado no Brasil. São 140 mil quilômetros quadrados de área plantada (21,1% do total), o que corresponde ao estado do Amapá. Nesta ação civil pública, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anpa), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e Terra de Direitos pediram que fosse suspensa a comercialização do milho transgênico Liberty Link até que medidas de biossegurança garantissem a coexistência das variedades orgânicas, convencionais ou ecológicas com as variedades transgênicas.

A juíza da Vara Federal Ambiental de Curitiba deferiu parcialmente o pedido, suspendendo os efeitos da autorização concedida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Foi determinado, ainda, que a instituição se abstivesse de autorizar qualquer pedido de liberação sem a elaboração das medidas de biossegurança.

Inconformada, a União pediu a suspensão da liminar à presidência do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, apontando lesão à ordem pública e administrativa. O pedido foi indeferido e a União recorreu ao STJ com base no artigo 4º da Lei 8.437 /92.

Para a União, a manutenção da liminar poderia causar a entrada no País, pela via da clandestinidade, de sementes de milho geneticamente modificadas que sequer foram liberadas definitivamente. Entretanto, a liminar foi mantida "Não se acham presentes os pressupostos específicos para o deferimento do pedido", considerou o presidente Barros Monteiro.

O ministro destacou ainda que competia, sim, ao Poder Judiciário a fiscalização da legalidade dos atos administrativos. "Por meio desta drástica via, portanto, é temerário suspender uma decisão que, certa ou não, traduz o controle judicial dos poderes estatais", finalizou.

Competência

Em 2004, a Terceira Seção do STJ julgou dois conflitos de competência para decidir qual o juízo responsável pelo exame das causas relativas aos produtos geneticamente modificados. Era a primeira vez que o Tribunal da Cidadania analisava o tema na esfera penal.

O entendimento da Seção, em ambos os casos, é que a União é parte legítima para figurar nas ações envolvendo transgênicos. Dessa forma, a Justiça dos estados fica impedida de proferir decisões sobre o uso de técnicas de engenharia genética nos produtos agrícolas, sendo da Justiça Federal a competência para julgar as ações envolvendo a questão.

A Terceira Seção decidiu o conflito num processo em que havia uma denúncia contra dois produtores, acusados de plantar soja transgênica sem autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Segundo o relator do processo, ministro Jorge Scartezzini, a questão ia além da simples competência concorrente entre União, estados e municípios. O uso de transgênicos, para o ministro, acarretaria reflexos concretos na política agrícola nacional e na balança comercial do país.

O outro conflito de competência, da relatoria do ministro Gilson Dipp, também envolvia produtores agrícolas de posse de sementes transgênicas sem autorização dos órgãos competentes. Ao concluir que cabe à Justiça Federal julgar processo penal no qual se examina a liberação, no meio ambiente, de sementes de soja transgênica, Dipp concluiu: "Os eventuais efeitos ambientais decorrentes da liberação de tais organismos não se restringem ao âmbito dos estados da Federação em que efetivamente ocorre o plantio ou descarte, sendo que seu uso indiscriminado pode acarretar consequências a direitos difusos, tais como a saúde pública."

Produtores versus governo

Nas ações em que se discute a possibilidade de alongar e recalcular dívida de empréstimo rural assumida em contrato firmado com instituições bancárias, a União não é parte interessada, devendo ser excluída do polo passivo do processo. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do STJ, ao dar provimento a um recurso especial da União, solicitando sua retirada da disputa judicial envolvendo um produtor rural e o Banco do N. do B. S/A. A decisao é de 2011.

J. Y. ajuizou, na Justiça Federal, ação revisional da escritura e alongamento de débito rural em desfavor da União e do Banco do N.. Em primeiro grau, o julgador declinou da competência em favor da Justiça Estadual, pois o contrato de mútuo foi celebrado entre o cliente e o Banco do N., não sendo deduzido nenhum pedido contra a União, a não ser o fato de ter sido citada na ação. Portanto, o eventual interesse na causa deveria ter sido manifestado pela própria União, e não inferido pela parte autora.

Entretanto o Banco do N. recorreu por meio de agravo de instrumento, que foi provido. Inconformada com a decisao, a União apelou no STJ. No recurso especial, sustentou que vários artigos do Código de Processo Civil teriam sido afrontados, pois a União não tem interesse na causa e o acórdão deveria ter reconhecido a sua ilegitimidade. No pedido para ser retirada da ação, a União também alegou que seus poderes fiscalizatórios e normativos não a vinculam ao contrato firmado entre clientes e bancos, de modo que não responde pelas obrigações pactuadas.

O relator do processo, ministro João Otávio de Noronha, acolheu os argumentos em favor da União: "Quanto à ilegitimidade da recorrente, entendo que razão lhe assiste. O objeto da ação é alongar e recalcular a dívida assumida em contrato firmado entre J.Y. e o Banco do N. do B.. O artigo 5º da Lei 9.138 /95 estabelece que o responsável pelo alongamento das dívidas originárias de crédito rural é o agente financeiro envolvido no contrato de mútuo. Nessa transação, a União não interveio e não se comprometeu, sendo o estabelecimento de crédito o credor dos rurículas inadimplentes", explicou.

O ministro deu provimento ao recurso especial em favor da União, para excluí-la do polo passivo da ação e determinar a remessa do feito para a Justiça estadual. Os demais ministros da Turma acompanharam o voto do relator.

Safra antecipada

Uma questão interessante analisada pela Terceira Turma do STJ, em 2011, envolveu a Cedula de Produto Rural (CPR), título de crédito que representa uma obrigação com promessa de entrega de produtos rurais, regulada pela Lei 8.929 , de 22 de agosto de 1994.

A CPR só pode ser emitida pelo produtor rural e suas associações, inclusive cooperativas, em favor uns dos outros, ou de terceiros. Trata-se de título cambial assemelhado, negociável no mercado e que permite ao produtor rural ou às suas cooperativas obter recursos para desenvolver a produção agrícola ou empreendimento, com comercialização antecipada ou não dos produtos.

E foi justamente o debate sobre o pagamento antecipado para emissão da CPR o cerne da discussão no STJ. Aqui, os ministros da Terceira Turma entenderam ser válida a CPR emitida sem a antecipação dos valores do preço do produto que ela representa. A decisão cassou julgamento do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) que havia anulado as CPRs por falta de antecipação do preço.

Para o TJGO, sem a disponibilização do capital ao agricultor, a CPR não teria liquidez, certeza e exigibilidade necessárias para sua caracterização como título de crédito. Segundo o acórdão, o entendimento seria a jurisprudência dominante na corte local.

Mas a ministra Nancy Andrighi discordou. Segundo a relatora, a compreensão consolidada do tema na Terceira Turma do STJ é que a Lei 8.929 não impõe, como requisito essencial para a emissão da CPR, o pagamento prévio pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados.

Café

Em 2010, a Segunda Turma do STJ negou indenização por danos materiais à empresa R. D. Café S/A, que questionava o Plano de Retenção de Café operacionalizado pela Portaria Interministerial 197/2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

No ano de 2000, o Brasil celebrou, com outros países produtores e exportadores, o Plano de Retenção de Café. Os países participantes concluíram pela necessidade da retenção de pelo menos 20% do volume de café exportado por cada país signatário, para compor estoque em armazéns governamentais. O café retido seria liberado para a comercialização apenas quando a cotação ultrapassasse determinado valor. A ideia era interromper a baixa nos preços internacionais.

Atualmente, as projeções do Mapa referentes ao café mostram que a produção deve se elevar a uma taxa média de 4,4% até o período de 2019/2020 (site Mapa). O consumo crescente está estimado em 3,5% ao ano, nos próximos dez anos. A previsão é que o país continue como o maior produtor mundial e principal exportador do café arábica.

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