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quinta-feira, 3 de março de 2011

Tráfico. Venda de cocaína impura. Habitualidade da conduta do trafico

Extraído de: Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes  -  01 de Março de 2011 
 
LUIZ FLÁVIO GOMES*
Áurea Maria Ferraz de Sousa** 

Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o fato de o traficante vender a droga misturada a produto diferente de cocaína (no caso, fermento em pó) é atitude suficiente a demonstrar a habitualidade criminosa e, portanto, constatação hábil a desconfigurar a redução de pena do 4º do artigo 33 da Lei de Drogas.
O posicionamento foi confirmado pela Sexta Turma do STJ, no julgamento do HC 174.161, relatado pelo Ministro Og Fernandes. Em verdade, o pedido da defesa objetivava a mencionada redução de pena, alegando que o paciente era primário, de bons antecedentes, e que não se dedicava às atividades criminosas nem integrava organização criminosa. A tese não foi acolhida em segunda instância.
De acordo com o que foi relatado nos autos do writ , o acusado foi surpreendido portando dez papelotes de cocaína, tendo sido encontrado em sua residência mais trinta e oito papelotes da mesma substância, só que misturadas a fermento em pó.
Para o TJ/RJ, a conduta desonesta do réu seria um indicativo de que se trata de um traficante contumaz, o que acarreta maior reprovação de sua conduta. Por esta razão, a diminuição da pena não poderia lhe ser aplicada, já que a maneira como praticou o mencionado crime revela que se trata de uma atividade habitual.
De acordo com o Ministro Og Fernandes, para que pudesse avaliar com mais clareza o pedido do acusado, seria necessário adentrar no mérito da causa, já que a análise do envolvimento ou não do paciente em atividade criminosa necessitaria de incursão no conjunto de provas, o que não é possível na via estreita do habeas corpus .
Por esta razão, no julgamento do HC 174.161, prevaleceu o posicionamento adotado pelo Tribunal carioca.
A redação do 4º do art. 33 da Lei de Drogas assim estabelece: Nos delitos definidos no caput e no 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário , de bons antecedentes , não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa . (Grifamos).
A primariedade técnica do acusado é constatada em duas hipóteses: a primeira é quando o acusado embora tenha praticado novo crime, comete-o antes de transitar em julgado a sentença condenatória do primeiro; esta é a conclusão a que se chega da leitura do art. 63 do CP. A segunda hipótese de primariedade técnica é constatada quando, embora praticado novo crime depois de transitada em julgado a sentença condenatória do primeiro, a segunda prática se deu depois de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena anterior (art. 64, I, CP).
Quanto aos bons antecedentes, vale lembrar, que no âmbito do STJ, prevalece o entendimento de que, por força da garantia constitucional da não-culpabilidade, entende-se como maus antecedentes criminais a condenação transitada em julgado, excluídas aquelas que configuram reincidência - HC 49253 / DF.
No presente julgado, foi possível constatar que a indicação do que se considera dedicação às atividades criminosas depende da análise do conjunto fático-probatório.
Por fim, o envolvimento em organização criminosa, é um dos requisitos exigidos pela Lei de Drogas que talvez cause maior dificuldade de constatação na prática, já que o ordenamento jurídico não traz conceito do que vem a ser organização criminosa. A este respeito, recentemente, nos manifestamos no artigo:
Organização criminosa e Tratado de Palermo: violação da legalidade
A negativa do favor legal, a rigor, reside na habitualidade criminosa. Mas isso não está na lei. Essa fundamentação jurídica para denegar benefício legal é muito duvidosa. A desonestidade tampouco serve de fundamento jurídico para rechaçar a diminuição da pena. Quando o sujeito trafica droga pura nenhum juiz leva em conta sua honestidade para lhe favorecer. O julgado sob comentário tem tudo para ser tido como fora da legalidade, com a devida vênia.

*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.
Autor: Luiz Flávio Gomes Áurea Maria Ferraz de Sousa

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