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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A RELEVÂNCIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NO DIREITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEO

Há pouco mais de dez anos a ciência buscava garantir a certeza da filiação biológica através do revolucionário teste de DNA, que chega a alcançar 99,9% quanto à segurança de seu resultado. Foi necessário longo período de estudos quase obstinados para que tal percentual fosse alcançado. Evoluiu a ciência, constataram-se inigualáveis avanços tecnológicos e muda-se a sociedade em perfeita consonância com um mundo globalizado e pautado na dignidade humana. É assim que o código genético passa a ceder espaço ao caráter afetivo do vínculo que se estabelece entre as pessoas.
Com a perspectiva de um novo Direito de Família, baseado na vigente ordem constitucional, o princípio da dignidade humana – valor fundante deste Estado Democrático de Direito – pautado na noção de que família deixa de ser uma instituição para se tornar um espaço em que as pessoas que a compõem devem ter a oportunidade de desenvolvem suas potencialidades, tem-se uma verdadeira revolução quanto aos conceitos que passam a norteá-lo, porque as pessoas se tornam o centro do ordenamento jurídico.
Passa o Estado a criar e desenvolver mecanismos de proteção não mais à entidade familiar, mas aos seus membros, na qualidade especial de pessoas humanas que são. Nessa esteira, passa o afeto a ser contemplado como aspecto de primeira grandeza, tão importante que começa a ser apreciado como valor jurídico. Surge, então, a filiação sócio-afetiva, oriunda da convivência em que se tem a outra pessoa na qualidade de pai (ou mãe), independente de formalidades como adoção ou qualquer documento que os vincule. Essa espécie de filiação se consubstancia na medida em que uma criança ou adolescente passa a ter em determinado adulto o seu referencial paterno ou materno, informalmente, simplesmente em decorrência da dinâmica de vida que desenvolvem, da convivência diária, do amor e da reciprocidade.
Assim, uma criança que ingressa no seio de uma família simplesmente pelo afeto, e começa a ser tratada como se filho fosse, enseja uma relação jurídica de filiação independentemente da existência de laços consanguíneos, pelo simples contato diário, dependência psicológica, estima, afetividade. E, se com o passar do tempo, tal relação vai se solidificando, cria para ambos (criança e pai/mãe) uma situação fática que no direito corresponde à chamada posse do estado de filho. Isso porque convivem como se constituíssem uma família, o que na prática pode ser constatado pelo tratamento que as partes se dispensam, pelo carinho que demonstram e pela interdependência que se estabelece.
Como no Direito de Família não há hierarquia entre as diferentes espécies de filiação – consanguínea, adoção e sócio-afetiva – esses laços fundados no amor e no afeto passam a apresentar efeitos jurídicos muitas vezes não planejados ou desejados pelas pessoas envolvidas, mas caracterizados por uma situação de fato incontestável, perceptível pela convivência rotineira e por aspectos já assinalados.
Esses efeitos tendem a passar de sociais a jurídicos, podendo extrapolar os limites de simples convivência, à obrigação alimentar, evoluindo ao reconhecimento de filiação, o que traz, como via de conseqüência direta, os direitos sucessórios dela decorrentes. Nesse caso, os filhos sócio-afetivos passam a concorrer à herança com os demais, sem distinção de natureza da filiação, uma vez que a constituição instituiu a igualdade absoluta entre os descendentes. É necessário que a sociedade esteja consciente desse conceito de filiação que tem sido reconhecida em inúmeras ações julgadas procedentes, quer pelo Juízo de Família, quer pelos Tribunais dos Estados e Superiores.
Itaperuna, 30 de julho de 2009.

[1] Artigo publicado no jornal O Noroeste, edição nº 715, ano XXV, distribuição no Noroeste Fluminense, Itaperuna, 30 de julho de 2009, p. 2.
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